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Política

A Alese passa por um processo nacional de precarização dos legislativos frente ao Executivo e ao Judiciário

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Existe uma distância evidente entre aquilo que acontece nos poderes e efetivamente o que a população tem ciência e participação. Em razão disso, é necessário se fazer uma análise e observações de dentro da Casa Legislativa que representa o povo do Estado de Sergipe.

 

[*] Marcos Oliveira

Estamos iniciando nosso primeiro mandato como deputado estadual. E em que pese termos uma experiência anterior de dois mandatos de vereador na cidade de Itabaiana, algumas diferenças entre os dois parlamentos saltam aos olhos.

Desta forma, esse texto visa justamente retratar nossas impressões desses primeiros 100 dias de mandato na Alese, trazendo à luz nossas percepções do processo legislativo e, principalmente, da atuação política e dos projetos que foram analisados, discutidos e aprovados, além daqueles projetos que sequer iniciaram sua tramitação.

O processo legislativo é o norte do qual o direito é a única ferramenta dos mandatos eletivos. A Assembleia Legislativa de Sergipe – Alese – passa naturalmente por um processo nacional de precarização dos legislativos estaduais frente ao Executivo e ao Judiciário. Não é diferente no legislativo sergipano.

Fica evidente o tratamento diferenciado aos blocos políticos constituídos na Alese, com predisposição argumentativa àqueles que estejam ajustados aos interesses do Governo Estadual. Nesse sentido, a prioridade de tramitação reflete uma evidência inquestionável desse cenário posto.

Nesses 100 dias de mandato ficou evidente que, por enquanto, a sintonia política ainda anda de acordo com os compromissos assumidos e anteriormente acordados. Resultado: votações acachapantes da situação sobre a diminuta oposição.

Entretanto, faz-se necessário destacar um papel preponderante que os deputados de oposição têm desempenhado no desenvolvimento das discussões ocorridas no parlamento estadual. E há uma naturalidade nesta questão, haja vista a necessidade da visibilidade das pautas e problemáticas do Estado, função exercida justamente pela oposição.

Desta forma, destaquem-se alguns pontos trazidos e discutidos de tal forma que geraram o necessário impacto e ocuparam as discussões na imprensa e sociedade sergipana, conforme resumimos a seguir.

O ICMS praticado no Estado de Sergipe ganhou grande repercussão após aprovação, no final do ano de 2022, do maior aumento do Brasil, com alíquota modal de 22%, sendo que os Estados limítrofes Bahia e Alagoas praticavam uma alíquota de 19%.

O custo desse isolamento e de uma possível guerra fiscal, somando-se ao fato de sermos o menor Estado da Federação praticando a maior alíquota do país, gerou diversas discussões que começaram, notadamente, na Alese e reverberaram por toda a sociedade sergipana, com os órgãos de imprensa mobilizados para levar a melhor informação à população de forma a auxiliar na revisão do ICMS de Sergipe.

A pressão para a revisão da alíquota do ICMS funcionou relativamente, visto que a proposta do Governo de Sergipe não retornou ao padrão anterior ao aumento, mas sim estabeleceu uma alíquota modal de 19% e criou mais 1% para o Fundo de Pobreza, desconsiderando a incidência sobre bens supérfluos deste último. Ou seja, na prática, a esmagadora maioria dos itens tributáveis em Sergipe pagará 20% de alíquota modal.

O custo desse isolamento tributário reflete diretamente nas finanças do Estado e, principalmente, na vida dos sergipanos. O aumento do imposto, por si só, causa impacto nos setores produtivos que, por sua vez, tendem a repassar para os con-sumidores finais, em um ciclo que geralmente tem o efeito contrário do esperado, com diminuição do volume de circulação de mercadorias, fato gerador do imposto, e consequentemente diminuição da arrecadação.

Tudo isso aliado à guerra fiscal instituída em razão das alíquotas menores nos Estados da Bahia e Alagoas, dois gigantes que abraçam territorialmente nosso pequeninho torrão natal.

Superada a questão de tributação do Estado de Sergipe, passemos para outro ponto importante nesse início de Governo: a criação de novas secretarias, departamentos e centenas de cargos em comissão.

Sem nenhuma dúvida, os projetos apresentados e aprovados até o momento na Assembleia Legislativa, bem como os discursos da base governista e do próprio governador, indicam para uma sentença que deve gerar diversas reflexões em toda sociedade sergipana.

Explico: sem adentrar na seara ideológica dos discursos e posições tomadas durante a campanha, constata-se uma equação de difícil solução. Dois pontos chamam atenção na formatação do nosso Estado: o primeiro é que tivemos esse ano aumento da carga tributária do ICMS, ou seja, nosso Estado tem uma das maiores cargas tributárias do País, sendo o menor Estado da Federação.

E o outro ponto é que, ao mesmo tempo em que se elevou a carga tributária, tivemos a criação de sete novas secretarias de Estado, com diversos cargos em comissão; a “invenção” de uma “agência”, denominada Desenvolve-SE, novamente com a criação de diversas diretorias e cargos; como também a criação e aprovação de uma lei que prevê parcerias privadas estratégicas, com unidades técnicas e órgão gestor, tudo de livre nomeação e exoneração sob a “caneta” do governador.

Com essas questões constatadas, resta avaliar que o menor Estado da Federação agora possui uma máquina estatal gigante, lastreada por uma alta carga tributária. Fica claro que esse “inchaço” do governo é fruto da necessidade das acomodações políticas e dos compromissos eleitorais.

E, ao mesmo tempo, fica clara a tentativa de se ver “livre” dos serviços públicos, encontrando no “mundo dos negócios” supostas soluções “mágicas” para resolver os problemas do nosso povo tão sofrido.

É um liberalismo às avessas, mais imposto, mais gasto com pessoal do alto escalão e privilégios e menos serviço público essencial ofertado.

A privatização/concessão dos serviços de distribuição de água e coleta de esgoto é dada como certa pelo governador e por seus aliados, sendo tema recorrente na Alese, com discussão profunda sobre os riscos e, principalmente, sobre a culpa do próprio governo pela não estruturação da nossa companhia de abastecimento e de coleta de esgoto – quando esse serviço existe -, a importantíssima Deso, que há décadas sofre com ingerência política e com o absurdo débito por parte do Estado de mais de R$ 70 milhões. Essa é uma discussão longa e que envolve todos os municípios, além de englobar a função social da água e o seu preço, principalmente para quem mais precisa.

Mas temos mais dois projetos que indicam para uma severa limitação dos serviços públicos ou, pelo menos, para uma reprovável não atuação de servidores públicos concursados e devidamente estruturados para prestarem seus serviços aos sergipanos.

O primeiro trata-se de uma autorização legislativa permitindo a contratação em diversas áreas através de processo seletivo simplificado por dois anos, prorrogáveis por mais dois anos. Ou seja, durante o período de todo um mandato, a regra constitucional do concurso público poderá ser totalmente vilipendiada.

O segundo é o projeto que qualifica entidades como Organizações Sociais, as famosas “OS”, onde fica evidente a tentativa de “pejotização” dos serviços, ao tempo que não se utilizam as regras da licitação pública para atingir um objetivo previsto no contrato de fomento realizado.

Por óbvio que não se pode generalizar, uma vez que estamos aqui somente a relatar o conjunto de projetos aprovados na Alese. Mas a verdade é que cada um deles acaba por indicar que, para o governo, o caminho da privatização dos serviços públicos no Estado de Sergipe é uma via de mão única, sem volta.

Outra pauta que tem gerado grandes e intensas discussões é o reajuste dos servidores públicos. O Governo aprovou um reajuste linear de 2,5% para mais de dois terços dos servidores do Estado, e 10% para as categorias perto do salário-mínimo, com ganhos reais irrisórios.

Os professores se mobilizaram, através de seu sindicato, e isso reverberou por todo o Estado. Ao final, restou a certeza de que um reajuste de 2,5% de um Estado que não paga o Piso Nacional do Magistério e mantém a carreira desses imprescindíveis profissionais sumariamente congelada, não se trata de outra coisa a não ser esmola!

Toda problemática do magistério estadual tem gerado um grande alerta na ques-tão previdenciária, pois se não temos concurso e novos servidores na base da pirâmide do sistema, bem como seguimos com o congelamento da carreira, seja o poder de compra dos trabalhadores, seja o financiamento do sistema previdenciário, ambos corroídos pela inflação, como ficará a previdência dos professores em um futuro próximo?

Sendo assim, um cenário se apresenta relativamente claro para os sergipanos: aumento do tamanho Estado, com alta carga tributária para os empresários locais/consumidores e milhares de cargos de livre nomeação, sem nenhum indicativo de cortes no gasto com essa estrutura política antiquada e atrasada.

E, para piorar, ao mesmo tempo há uma tentativa de ofertar cada vez menos os serviços públicos como Saúde, Educação, Segurança Pública e Saneamento Básico da forma tradicional e constitucional, através de concurso público, abrindo-se brechas administrativas para “jogar no colo” da iniciativa privada tais responsabilidades governamentais. E tudo isso sem a garantia de aumento dos investimentos governamentais no que é, de fato e de direito, público. O que significa que o governo não se comprometerá com nenhum custo adicional ou contrapartida pelos mesmos serviços que deveria ser a razão de ser do próprio governo.

Por fim, mas não menos importante, quanto aos projetos de lei dos parlamentares, centenas foram protocolados e votados. Mas é visível uma dificuldade maior de serem pautados aqueles que foram apresentados pelos deputados de oposição.

Mas é preciso reconhecer a importância do projeto de lei que criou a Política Estadual de Utilização da Cannabis para fins medicinais, de autoria do colega deputado Luciano Pimentel, estabelecendo diretrizes para acesso a esse medicamento imprescindível para diversas patologias, barateando o acesso, bem como o atendimento e encaminhamento das pessoas no âmbito do sistema de saúde estadual.

Diversos projetos sobre criação de políticas de proteção de crianças com transtorno do espectro autista, segurança nas escolas, reconhecimentos de diversas expressões culturais sergipanas forma propostos durante esse período.

De nossa lavra pessoal, propomos a criação da Região Metropolitana do Agreste, com foco na reunião de forças e problemas para uma melhor solução em comum. Adaptação da jornada de trabalho para mães de crianças com autismo. Projeto que estabelece a criação da política estadual de segurança nas escolas, diversas moções, indicações e requerimentos, que serão objeto de prestação de contas do mandato no formato adequado.

Sem a intenção de esgotar os temas e provocações trazidas nessas breves palavras, que serão objeto de análise esmiuçada em outros textos, o presente artigo tem a intenção de situar o leitor sobre o que vem acontecendo no Estado de Sergipe nesses primeiros 100 dias de mandato na Alese, os principais projetos apreciados, as discussões trazidas e o resultado que tudo isso pode gerar na vida do cidadão, para melhor ou para pior.

E, como se pode constatar, infelizmente até este momento a balança pesa mais para o lado de uma piora nos serviços públicos, no tratamento dispensado aos servidores públicos e na já tão perversa carga tributária. Que dias melhores venham nos próximos 100 dias!

[*] É advogado e deputado estadual pelo PL.

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